domingo, 10 de fevereiro de 2019

Realidade Tridimensional

"Não vos lembreis das coisas passadas, nem considereis as antigas. Eis que faço coisa nova, que está saindo à luz; porventura, não o percebeis? Eis que porei um caminho no deserto e rios, no ermo".

Isaías 43.18-19.

Nesse conhecido texto das Escrituras nos deparamos com um aspecto fundamental de tudo aquilo que o Senhor nos fala, mas que nem sempre percebemos. Algo que vai além da mensagem em si, que é o seu pano de fundo e que determina, em última análise, a nossa resposta àquilo que Ele está nos falando.

A Palavra do Senhor, quando vem a nós, nos encontra como estamos e onde estamos - em um contexto específico. E nossa reação a ela e ao nosso contexto é o que vai determinar a sua frutificação. A partir desse texto, eu gostaria de refletir com você sobre como deve ser essa nossa reação e que atitude devemos ter para crescermos no Senhor. Vamos dissecar cada parte desses dois versículos e analisarmos alguns princípios sobre essa correspondência ao Senhor que devemos ter, e fazer uma aplicação prática disso em nossa vida.

"Não vos lembreis das coisas passadas, nem considereis as antigas (passado). Eis que faço coisa nova, que está saindo à luz; porventura, não o percebeis? (presente) Eis que porei um caminho no deserto e rios, no ermo". (futuro).

Vemos acima, identificadas no texto, as três dimensões de tempo que formam o contexto desta profecia: passado, presente e futuro. Sempre que uma palavra profética nos é proferida, ela requer de nós uma atitude correta em relação ao passado (no caso, não se lembrar e nem considerar as coisas antigas), em relação ao presente (perceber, ser sensível à palavra) e frente ao futuro (crer no novo caminho no deserto e rios no ermo que o Senhor estava trazendo). 

Creio que isso nos mostra que uma atitude correta em relação ao passado, correspondência à Palavra no presente e visão de Deus para o futuro formam o tripé de um caminhar exitoso no Senhor. Quando falhamos em um ou mais aspectos desse tripé, nos perdemos e começamos a andar em círculos no deserto, como o povo de Israel. E o Senhor, então, tem que trabalhar em nós para nos trazer novamente a uma posição de equilíbrio para avançarmos novamente.

Muitas vezes não crescemos porque ainda estamos presos ao passado. Pode até ser um passado bom. Mas quando o Senhor está fazendo algo novo precisamos aprender a nos desligar do passado: ..."Ninguém põe vinho novo em odres velhos"... disse Jesus em Marcos 2.22. E o apóstolo Paulo, em Filipenses 3.13-14, afirma que ele se esquecia das coisas que para trás ficam e olhava para as que estavam diante dele. Fala de uma ruptura com o passado para estar em paz com o presente e preparado para o futuro. 

A percepção do que o Senhor está fazendo agora, no presente - uma percepção profética - também é muito importante. Precisamos saber o que Deus está fazendo, discernindo a sua voz e posicionando-se com mais precisão em relação ao seu mover. A falta dessa percepção também nos leva a perder a direção. Jesus enfatizou que não vivemos só de pão, mas de toda palavra que procede da boca de Deus. Precisamos estar andando sempre debaixo de uma Palavra de Deus. É isso que produz vida e nos faz caminhar na sua direção. Percepção da sua voz e correspondência a ela é uma base que nunca devemos perder.

Finalmente, devemos ter uma visão clara de Deus. Como diz o texto de Isaías 43.19, o Senhor nos promete trazer um novo caminho no deserto e rios no ermo. Aprendi há muitos anos atrás, com um querido líder chamado John Walker, que "caminho" fala de reforma (nova palavra, revelação do evangelho e entendimento das verdades de Deus) e que "rios" falam de avivamento (presença renovada do Espírito Santo e manifestação dos dons e sinais). 

Creio que Deus realmente tem esses dois aspectos para manifestar nessa "coisa nova" que Ele está fazendo. Muita revelação da Palavra e manifestação do poder de Deus, uma nova e mais profunda comunhão, uma vida no amor e na graça do Senhor, que irá tornar-se uma nova expressão do Reino de Deus nessa sociedade pós-cristã e humanista na qual vivemos.

Que a nossa realidade tridimensional - passado, presente e futuro - seja moldada nessa visão e nessa "coisa nova" que já está vindo à luz! Amém!

Roberto Coutinho

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Os Mistérios do Poder e da Angústia



"Então, jurou o rei e disse: Tão certo como vive o SENHOR, que remiu a minha alma de toda a angústia". 1 Reis 1.29


Neste verso de Davi há dois temas aparentemente contraditórios: um Deus que vive e a experiência de angústia na vida daqueles que o servem. Como pode alguém que serve ao Senhor, que é um Deus vivo e onipotente, experimentar em sua jornada pessoal experiências de angústia, como Davi? Ele era o "homem segundo o coração de Deus" mas, mesmo assim, sabemos que passou por várias situações de angústia. Ele tinha uma percepção de Deus como alguém que vive e que tinha remido a sua alma de toda angústia. Creio que isso nos inspira algumas reflexões.

Sempre que Davi tinha que dizer algo muito importante ou fazer algum juramento, ele dizia essa frase "tão certo como vive o Senhor, que remiu a minha alma de toda angustia" (veja 2 Samuel 4.9 e 1 Reis 1.29). Essa parecia ser uma percepção muito clara que ele tinha do Senhor: o seu Deus, Todo Poderoso, que vive e que o tinha redimido de toda angústia

Teodiceia


Esse tipo de questionamento, sobre como pode um Deus amoroso e onipotente conviver com a dor e o sofrimento das pessoas, não é novidade. Já no livro de Jó nos deparamos com essa questão. Também, no campo filosófico, o "Paradoxo de Epicuro", no século III a.C, já postulava a impossibilidade lógica de haver um deus onipotente, onisciente e benevolente ao mesmo tempo, pois a existência de dois desses atributos anulava automaticamente a existência do terceiro (quem quiser pode pesquisar mais sobre o tema). E Epicuro não era ateu, ele simplesmente advogava o "desinteresse dos deuses" pela experiência humana.

Um outro exemplo histórico dessa controvérsia seguiu-se ao maremoto de Lisboa, em 1755. Essa catástrofe aconteceu no dia 1 de novembro, justamente no "dia de todos os santos", e várias igrejas da cidade foram destruídas, matando muitos fiéis que estavam nas celebrações. Portugal era um País muito Católico e o fato dessa tragédia ter ocorrido em um dia santo e matado tantos fiéis nas igrejas levantou muitas questões religiosas na Europa, principalmente por parte dos iluministas. Voltaire, um de seus principais filósofos, ironizou a situação em seu conto "Candide" e no seu "Poème sur le désastre de Lisbonne". E a questão central era a mesma: como pode o mal conviver com um Deus onipotente e bondoso?

A resposta dos teólogos a esse tipo de indagação foi o desenvolvimento do que ficou conhecido como "teodiceia", que eram argumentos que, em face da presença do mal no mundo, procuravam defender e justificar a crença na onipotência e suprema bondade do Deus criador, contra aqueles que, em vista de tal dificuldade, duvidavam de sua existência ou perfeição.

Revelação do Senhor sobre as Origens da Angústia


Mas a verdade é que estudos e argumentos racionais como os propostos pela teodiceia até são interessantes e válidos, mas a compreensão mesma dessa aparente contradição só se dá a partir de uma experiência pessoal de tocar o coração de Deus e ser tocado por Ele. Assim como Davi, podemos conhecer a esse Deus que vive e que nos redime de toda angústia!

Mas a que angústias Davi estava se referindo? Ele era, segundo o próprio Deus, "um homem segundo o meu coração" (Atos 13.22). Que angustias poderia ter experimentado tal homem?

Não é preciso ser um profundo conhecedor das Escrituras para saber algumas das grandes lutas e angústias experimentadas por esse homem de Deus. Fugiu de Saul, que o perseguia injustamente para o matar, durante um longo tempo, vivendo como fugitivo entre os homens apurados de Israel (1 Samuel 22.1-2). Também foi perseguido pelo seu próprio filho Absalão, que usurpava o seu trono, e o buscava matar para reinar em seu lugar. Por ocasião de seu pecado com Bete-Seba, muitas consequências sérias se abateram sobre ele, inclusive essa de Absalão. Ele realmente havia experimentado várias angústias e tribulações. Mas como explicar isso, se ele era o homem segundo o coração de Deus?

Observamos na história de Davi que houveram angústias que ele sofreu injustamente, como por exemplo, durante os anos em que foi perseguido por Saul. E houveram angústias que foram justamente causadas pelos seus próprios pecados, como o que cometeu com Bete-Seba, resultando na perda de filhos, perseguições, a quase perda do reino e grande sofrimento e perdas.

Essa é uma lição que podemos aprender aqui: há angústias que nos vem injustamente, e há outras que são o resultado de nossos próprios erros. Em 1 Pedro 2.19 diz: "porque isso é grato, que alguém suporte tristezas, sofrendo injustamente, por motivo da sua consciência para com Deus". Já temos muita dificuldade em suportar angústias e sofrimentos, mas quando são injustas, aí é que temos mais dificuldade ainda. Mas as Escrituras dizem que isso é "grato", ou seja, "bom, benéfico". Tanto a angústia justa (a que é fruto dos nossos erros) como a injusta, são benéficas, pois operam nossa correção ou crescimento. E Davi experimentou a redenção de todas elas, pois ele afirmava que o Senhor era aquele que o redimia de TODA angústia.

Podemos notar a revelação que Davi tinha sobre o perdão e a cura das angústias que o Senhor operava em sua vida em vários textos. Vejamos alguns deles:

2 Samuel 16.12: "Talvez o SENHOR olhará para a minha aflição e o SENHOR me pagará com bem a sua maldição deste dia". Ele cria no perdão e na redenção do Senhor, mesmo quando ele era culpado.

2 Samuel 22.7: "Na minha angústia, invoquei o SENHOR, clamei a meu Deus; ele, do seu templo, ouviu a minha voz, e o meu clamor chegou aos seus ouvidos". Durante a angústia, ele buscava ao Senhor, crendo que ele o ouvia e por fim o abençoaria. Ele confiava no amor do Senhor.

2 Samuel 24.14: "Então, disse Davi a Gade: Estou em grande angústia; porém caiamos nas mãos do SENHOR, porque muitas são as suas misericórdias; mas, nas mãos dos homens, não caia eu". Ele tinha experimentado e sabia que muitas eram as misericórdias do Senhor, e que era melhor se colocar em suas mãos, do que na dos homens.

Poder de Deus e Angústia


A essa altura podemos entender melhor como pode haver, em nossa jornada espiritual, esse Deus que tem todo o poder e, ao mesmo tempo, experiências de angústia e sofrimento. O Senhor tem todo o poder e nos ama, mas Ele nem sempre impede que experimentemos situações de angústia e sofrimento. E isso porque essas experiências são instrumentos ou para nos corrigir ou para produzir crescimento e maturidade. 

"porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige?". Hebreus 12.6-7.

Você passou ou está passando por agruras, sofrimento e angústia? Tem buscado ao Senhor sobre isso e às vezes nem entende o que está passando? Aprenda com Davi. Ele confiava nas muitas misericórdias do Senhor, e não nas pessoas ou nas saídas humanas. Confiava e se derramava diante do Senhor, a fonte da verdadeira redenção. Ele sabia que o Senhor vive e que o redimia de toda angústia. Sabia que tudo tinha um propósito, e que a seu tempo o trono, o reino e a vitória chegariam. Sabia que, de alguma forma, o Senhor estava trabalhando para o seu bem.

Não devemos culpar a Deus pelos problemas e angústias que passamos. Devemos saber que Ele vive, tem todo poder, e é o que nos redime de TODA angústia. Seja justa ou não, o Senhor está trabalhando para o nosso crescimento!

Roberto Coutinho