domingo, 1 de dezembro de 2013

AS LIÇÕES DE UM SEMÁFORO

Uma pequena crônica que escrevi um dia desses...



Final de tarde. Horário do “rush”. A tempestade se avizinhando da cidade, como é típico nas tardes do final de ano. Todos seguindo rapidamente para algum lugar, como se estivessem fugindo de um mal que os acossa. A pressa é evidente e a impaciência está no ar. Sigo também freneticamente pela avenida, em uma luta implacável contra o relógio. E de repente, me defronto com o destino incontornável que espera a todas as pessoas que vivem e circulam pelas cidades no mundo moderno: o semáforo. Implacável e indiferente à agitação que o cerca. Lá está ele, imponente e taciturno.

Paro resignado e submisso ao sinal vermelho. Não há nada a fazer a não ser parar e se render à sua autoridade. E ao perceber isso, de repente, como um lampejo, começo a pensar nas lições que se pode aprender com um semáforo de avenida em um movimentado final de tarde. Isso mesmo. O velho, frio e imparcial semáforo. Não há quem seja motorista e já não tenha perdido a paciência com as fatalidades e o pragmatismo de um semáforo. E comecei a pensar...

O semáforo é uma das poucas regras que se impõe a uma sociedade avessa ao controle. Poucos têm a ousadia de questionar a sua irritante mania de dizer quem avança e quem pára. É uma das poucas leis amplamente absorvidas pela sociedade. Verde, amarelo e vermelho. Uma coisa rudimentar, primitiva e quase ridícula. Mas tão necessária e poderosamente presente em nossas vidas. E temos a estranha mania de nos render à tácita autoridade que nos é imposta pela luz vermelha do semáforo. Pode nos custar caro a petulância de questionar a sua decisão. Não raro, pode custar a nossa própria vida, sacrificada no altar da rebeldia ou do exibicionismo. Por isso ele é tão eloquente. Ele não diz nada, não tem rosto nem expressão. Não grita nem faz cara feia. Mas a luz vermelha nos impõe peremptoriamente a sua vontade, e como que em um gesto de apego à vida nos deixamos levar por uma súbita rendição ao bom senso.

Diante dele não há diferenças de classe ou privilégios. Diante de um semáforo podemos ver um caríssimo carro importado parando ao lado de uma surrada bicicleta de um morador de favela: ambos resignados e submissos diante da prepotente autoridade da luz vermelha. Não há como corrompê-lo. Não tem como pagar-lhe um cafezinho e ter a vida facilitada. É uma das poucas situações em nossa sociedade em que todos são iguais diante da lei. 

Há outras coisas que um semáforo nos ensina, se o observarmos por tempo suficiente. Ensina-nos que nem sempre a vida nos favorece. Enquanto as portas se abrem para uns, elas se fecham para outros. Nos mostra que nem todos podem vencer ao mesmo tempo. Que uma mesma situação representa a oportunidade para uns e a estagnação para outros. Nunca todos vencerão ao mesmo tempo. A vida não é assim. Sempre há os vencedores e os perdedores. E o semáforo teima em nos ensinar isso, ainda que não estejamos atentos para entender.Mas há o outro lado dessa história que ele, poucos segundos depois, nos ensina. A situação sempre muda. Nenhum mal dura para sempre. Toda crise passa. A oportunidade da luz verde sempre acaba nos sorrindo. De repente, é hora de você prosseguir e outros assistirem ao seu avanço. A sua alternância implacável – verde, amarelo e vermelho – é, no fim, a alternância da vida. Dia e noite. Verão e inverno. Primavera e outono – as estações do ano não em ordem cronológica, mas em pares opostos. A vida sempre insiste em nos ensinar que a alternância é parte integrante de sua melodia – e não há nada que possamos fazer a respeito. O semáforo, se prestarmos atenção, nos ensina a mesma verdade. O sinal vermelho de hoje vai se tornar o sinal verde de amanhã. O segredo é não desistir.

O que mais pode nos ensinar um frio, mecânico e intransigente semáforo? Insisto em pensar que deve haver mais alguma coisa que essa geringonça da vida moderna tenha a nos ensinar. O sinal ainda está vermelho para mim. Acho que a mágica dessa reflexão fez o tempo parar, pois consegui pensar em tudo isso e a teimosa luz vermelha ainda tripudia sobre mim. Mas olho para o fluxo de carros que atravessa à minha frente e, sem explicação nenhuma, vejo que eles vão diminuindo a velocidade. Parecem não aproveitar a vantagem que obtiveram e começam a reduzir a marcha e parar. Até que param. Então percebi que o semáforo não é apenas a dialética do verde e do vermelho. Tem a luz amarela também. Tímida que é, aparece rapidamente e logo dá lugar à vermelha. Sua participação é rápida mas não menos importante. Ela é um aviso. Um alerta. A vedação da luz vermelha nunca se apresenta subitamente, sem o gentil aviso da luz amarela, que tem a nobre missão de nos preparar para a sorte que nos aguarda. O segredo de não sucumbir às luzes vermelhas de nossa vida é prestarmos atenção às luzes amarelas que sempre nos avisam dos perigos. Resistir ao seu sábio conselho pode nos levar a ser pegos de surpresa. Pode até mesmo ser fatal.

De repente o sinal verde acende, os motores aceleram, pedindo impiedosamente para que eu comece a andar. O tempo volta a correr novamente e minha reflexão é interrompida pela vida real. Acelero e volto à minha luta sem fim com essa outra máquina implacável que é o relógio. 
Paro em frente à escola de minha filha, a pego, entramos no carro e saímos em direção à nossa casa. Olho para ela enquanto dirijo e digo: 

- Filha, não é incrível o que um semáforo pode nos ensinar?

Ela olha para mim com a fisionomia de alguém que procura o sentindo de uma piada não entendida e, finalmente, pergunta: 

- O quê? 

Eu penso por um instante e respondo, resignado: 

- Nada não filha. São só umas bobagens que eu andei pensando! E sorri...

Mas continuando o caminho me deparo com outro semáforo vermelho e penso comigo mesmo: “que Deus a ajude a não precisar dos semáforos para aprender as lições que eles me ensinaram nesse final de tarde”...

ROBERTO COUTINHO